Fantasmas do desastre de 2001 voltam a rondar a Casa Rosada e muitos apostam no fim prematuro do governo neoliberal.
Em meio à maior crise econômica desde o “corralito” de 2001, com desvalorização de 28% do peso frente ao dólar em três dias, a Argentina voltou a registrar saques ou tentativas de saques a supermercados no final da semana passada. Os incidentes ocorreram nas províncias de Mendoza, Chubut e Jujuy, mas as imagens ganharam o país e o mundo pela Internet. Nas três localidades foram registradas prisões.
A última resposta do presidente Maurício Macri ao agravamento da crise foi mais uma medida do receituário neoliberal: extinguiu os ministérios de Saúde, Trabalho, Ciência e Tecnologia, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Energia, Turismo, Cultura e Agroindústria. O corte foi noticiado pela imprensa ainda no sábado (1º) e confirmado oficialmente nesta segunda-feira (3). Todas as pastas foram transformadas em secretarias e absorvidas por outros ministérios. O governo não informou quanto pretende economizar com a reforma.
Em junho o Fundo Monetário Internacional (FMI) acordou com Macri um empréstimo de US$ 50 bilhões. E na semana passada, enquanto parte da população correu aos bancos para salvar suas economias, o presidente argentino pediu ao Fundo um adiantamento de US$ 3 bilhões desse montante. Já vai longe o tempo em que Néstor Kirchner anunciava orgulhoso o pagamento da dívida com o FMI.
Embora o fantasma de 2001 ronde novamente a Casa Rosada, os tempos são outros e não é possível apostar em qualquer desfecho para o governo atual. Entretanto, parece que o acúmulo de políticas de austeridade, de arrocho neoliberal, sendo mais claro, esgotou a paciência da população.
Histórico – Ao assumir a presidência, em dezembro de 2015, Macri recebeu o país com o dólar cotado a 9,75 pesos. Um de seus primeiros atos na Casa Rosada foi acabar com a restrição de compra da moeda estadunidense, instrumento usado pelo governo de Cristina Kirchner para proteger a indústria nacional e o poder de compra do povo argentino. O fim do “cepo” cambial agradou a classe média, mas teve impacto imediato na inflação de produtos essenciais para o cotidiano do país, como o trigo, o cimento e outros itens.
No final de 2017, após dois anos de “abertura econômica”, como apregoavam os porta-vozes do macrismo, o dólar alcançava 19 pesos, a inflação do biênio superava os 65% – 40,7% em 2016 e 24,7% em 2017 – e a dívida externa do país aumentou 35%.
As tarifas de energia, gás e água sofreram “tarifaços” que variaram entre 300% e 2.000% já no primeiro ano e se repetiram este ano. O desemprego disparou, a extrema pobreza cresceu – apesar de uma redução em 2017 – e os aposentados sofreram um duro corte nas aposentadorias com a reforma da previdência aprovada pelo Congresso no final do ano passado, apesar dos intensos protestos da população, o que gerou forte repressão policial.
Logo após a vitória nas urnas em 2015, o principal economista de Macri, Alfonso Prat-Gay, que viria a ser o primeiro ministro da Fazenda do novo presidente, fez uma previsão que agradou o eleitorado e acalmou o mercado: “O dólar estará mais perto de 9,50 [pesos], se fizermos as coisas bem, mais perto de 16 se a quem compete fizer as coisas mal”.
Na semana passada, a explosão: o dólar começou sendo vendido a 31 pesos na segunda (27) e chegou a ser comercializado a 42 pesos na quinta-feira (30). Em janeiro as verdinhas estavam cotadas a 18,6 pesos. Isso faz da Argentina o país que mais desvalorizou sua moeda no mundo ao longo do ano.
Tudo isso fez o povo argentino lembrar de forma cristalina o que Macri prometeu na campanha em relação à política econômica. “Não passa por aí a Argentina. Não vamos desvalorizar [o peso]. É mentira dele”, disse o então candidato, atacando Daniel Scioli, postulante kirchnerista derrotado por uma diferença inferior a 700 mil votos (2,68% em termos percentuais).
Rogério Tomaz
Vídeo – As mentiras de Macri na campanha e no governo [2016]