O novo pacote de medidas do presidente argentino, Javier Milei, apresentado nesta quarta-feira (27) e conhecido sob o termo genérico de “lei ônibus”, traz um artigo que determina a notificação do Ministério de Segurança, com antecedência mínima de 48 horas, para a realização de quaisquer reuniões políticas ou manifestações com três pessoas ou mais. Além disso, a norma proposta pelo governo exige uma série de informações sobre o evento ou reunião.
“Na notificação mencionada, deverão detalhar as características da manifestação, os dados da pessoa humana ou jurídica que a organiza, detalhando os nomes e dados pessoais de seus organizadores, delegados ou autoridades, independentemente de participarem ou não da reunião ou manifestação; o objeto e a finalidade, a localização e o percurso, a duração e o número estimado de participantes”, diz o texto do documento, nomeado formalmente de “Projeto de Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, que possui 351 páginas.
O material apresentado pelo governo de Javier Milei vem à tona uma semana após o decreto de necessidade de urgência (DNU) que pretende revogar e alterar centenas de leis no país.
A “lei ônibus”
O projeto de lei, bastante mal escrito, enviado por Javier Milei ao Congresso atribui ao Executivo, já no seu primeiro artigo, “funções legislativas” de “emergência pública em matéria econômica, financeira, fiscal, social, previdenciária, de segurança, defesa, tarifária, energética, sanitária e social (sic)”, o que tornará o poder Legislativo como mero ente decorativo do Estado.
A proposta se encaixa perfeitamente no conceito de ditadura como era aplicado em Roma no passado, com o governante sendo investido de plenos poderes pelo Senado.
A justificativa do documento, aliás, deixa bem claro o quão anacrônico ele é, ao dizer que a atual crise econômica vivida pelo país é “produto de se haver abandonado o modelo da Democracia Liberal e da Economia de Mercado plasmado em nossa Constituição de 1853”.
Além de tentar impor uma reforma regressiva completa do Estado, de caráter ultraneoliberal, que vai beneficiar um punhado de empresas e destruir a vida de milhões de pessoas, Javier Milei não apresenta qualquer compensação pelos danos que causará à vida cotidiana do país e ainda pretende impedir à força o exercício da liberdade de manifestação e de organização política, como deixa claro o início dessa matéria.
Precedente perigoso
Opositores e até jornalistas alinhados com o campo conservador têm disparado fortes críticas ao início do governo Milei, por conta da forma como vem tentando impor o seu programa de governo.
“Javier Milei não pode decretar-se monarca e legislar. Ele ganhou para presidente da Nação, não para tirano”, disse Juan Grabois, ex-candidato a presidente e líder da União dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Economia Popular (UTEP), um dos movimentos sociais mais fortes da Argentina.
“Uma vez que permite que um funcionário modifique 600 leis por decreto, você cria um precedente que um dia pode se voltar contra si mesmo. O que teríamos pensado se Cristina Kirchner tivesse modificado 600 leis por decreto? O país estaria em incendiado”, alertou Carlos Pagni, jornalista do La Nación, jornal conservador que apoia Milei, e colunista do El País da Espanha.
Na quarta-feira (27) aconteceu a primeira grande manifestação contra Milei em Buenos Aires. Convocada por sindicatos – com a Confederação Geral do Trabalho (CGT) à frente – e movimentos sociais, reuniu entre 60 e 80 mil pessoas que se concentraram na frente da Suprema Corte e nas ruas ao redor.
Entretanto, o momento é apenas de “aquecimento” para as diversas batalhas – no Judicial, no Congresso, nas ruas, nos meios de comunicação – que virão nas próximas semanas e meses. Acompanhemos.