Manuel Adorni, personagem midiático da extrema-direita argentina que foi alçado ao cargo de porta-voz do presidente Javier Milei, foi flagrado num escândalo que envolve ilegalidade e contradição diante das fortes críticas que sempre fez ao Estado, especialmente aos subsídios e programas sociais para ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade.
Neste domingo (4), a imprensa argentina descobriu que Adorni – para ser mais preciso, sua esposa – recebeu parcelas do programa “Asignación Universal por Hijo”, o equivalente ao Bolsa Família na Argentina, sem ter direito ao benefício, destinado a famílias de baixa renda. A informação foi revelada pelo site independente El Cohete a la Luna e logo reproduzida em diversos meios de linha crítica ao governo. Até o momento em que esse texto foi publicado, Clarín e La Nación, os maiores portais da Argentina, ambos apoiadores de Javier Milei, omitiram o fato do seu público.
A “Contribuição Universal por Filho” foi criada pela então presidenta Cristina Kirchner, em 2009, inspirada pela efetividade do Bolsa Família para combater a pobreza no Brasil. A esposa de Adorni – Bettina Julieta Angeletti – está inscrita, com os seus dois filhos registrados no programa, e recebeu várias parcelas do benefício (o documento que mostra a irregularidade está no link da reportagem, no parágrafo acima), embora tenha empresa em sociedade com o marido e possui vínculo empregatício com uma empresa do agronegócio.
Em dezembro passado, o porta-voz, famoso pelas diatribes liberais no Twitter, atacou quem recebe programas sociais (mais chamados de “planes sociales” na Argentina) sem necessidade.
“Poucas coisas são tão miseráveis como o fato de receber um programa social sem ter necessidade. Isso também é o negócio da pobreza”, disparou Adorni na noite de natal, em publicação que ainda pode ser vista na rede.
Na sua conta no Twitter, aliás, Adorni fixou uma publicação em que se gaba de ter sido eleito uma das 100 figuras mais influentes da Argentina, segundo ranking da revista Notícias. Resta saber quanta influência o funcionário de Milei terá após a ampla divulgação da sua hipocrisia.
“Indústria do processo”
Manuel Adorni também foi questionado, na reportagem de El Cohete, por ter acionado a Justiça trabalhista contra uma concessionária de automóveis na qual trabalhou. Para os liberais, a “indústria dos processos” é um instrumento que não pode ser usado por quem defende o Estado mínimo.
Em 2017, o atual porta-voz de Milei ganhou um processo contra uma filial da Renault na Argentina e recebeu 1 milhão de pesos, equivalente a mais ou menos 58 mil dólares na cotação daquele momento.
“Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, é o que resume qualquer liberal ou libertário.