Como estaria o Brasil hoje, especialmente o cenário eleitoral, se não houvesse o golpe contra Dilma em 2016?
Numa hipotética análise sobre o que aconteceria se Dilma Rousseff não fosse derrubada por um golpe parlamentar em 2016, o cenário mais provável seria uma esquerda enfraquecida e fragmentada e o favoritismo da direita ideológica orgânica – representada essencialmente pelo PSDB e DEM – para vencer a eleição presidencial.
No início de 2015, com a adoção de uma agenda parcialmente neoliberal para frear a derrocada dos pilares da economia, Dilma Rousseff perdeu o apoio de importantes segmentos da sociedade que votaram nela em 2014 para impedir a vitória de Aécio Neves (PSDB).
O amplo descontentamento, inclusive com acusações de “estelionato eleitoral” lançadas pela direita e abraçadas por setores progressistas, permitiu a ampliação das críticas no seio da base governista no Congresso. Naquele contexto, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), encontrou muita facilidade para aplicar sua política de inviabilização da administração de Dilma Rousseff. Diversas medidas extremamente graves para as contas do governo foram aprovadas por Cunha e sua turma, o que explicitava cada vez a falta de comando da presidenta sobre a sua coalização no Parlamento.
Aí apareceram as denúncias de corrupção contra Eduardo Cunha e a Rede Globo, não podendo ignorar, mas já vislumbrando a possível derrubada do governo Dilma, optou por jogar ao mar o presidente da Câmara e protagonista do golpe. Cunha, desesperado, tentou uma última cartada: chantagear o PT para salvá-lo no Conselho de Ética da Câmara e impedir que o seu processo avançasse para a cassação do seu mandato.
Como o PT não cedeu à chantagem, Cunha acatou imediatamente o pedido de abertura de impeachment contra Dilma Rousseff. Isso ocorreu no dia 2 de dezembro de 2015, Dia Nacional do Samba.
E se…
O que aconteceu depois disso é conhecido por todos. Mas o que teria acontecido se Cunha não tivesse chantageado o PT ou se a Globo não tivesse endossado a ação do PSol – assinada por vários deputados do PT – contra Cunha no Conselho de Ética? Listo alguns fatos que provavelmente teriam ocorrido nesse cenário:
– o governo Dilma Rousseff seguiria se enfraquecendo paulatinamente, enfrentando muitas dificuldades para aprovar seus projetos no Congresso e superar a crise econômica;
– Lula continuaria sendo perseguido pelos agentes da Lava Jato e, com popularidade em baixa e a militância desmobilizada (o golpe serviu também para reativar a militância petista e de esquerda), dificilmente conseguiria recuperar sua popularidade e viabilizar sua candidatura a presidente;
– a direita, controlando o Parlamento e barrando qualquer tentativa do governo para debelar a crise econômica, teria a tribuna da Rede Globo e de toda a mídia para denunciar à sociedade, de forma permanente, o fracasso do PT e do projeto nacionalista com inclusão social;
– jamais aconteceria o desgaste da direita por conta do apoio ao projeto neoliberal de Temer que destruiu os direitos trabalhistas e aprofundou a crise econômica;
– a eleição presidencial de 2018 chegaria com grande favoritismo para a oposição ao governo Dilma Rousseff, ao PT e à esquerda;
– na pior das hipóteses, a direita chegaria a 2018 com totais condições para eleger Marina Silva e implantar o seu programa entreguista com um verniz social. Ou poderia construir um candidato outsider sem qualquer vínculo com o PT ou outros partidos tradicionais.
Obviamente, isso tudo é apenas uma análise hipotética simplista. Mas o fato é que, ao ir com tanta voracidade para (1) derrubar o governo Dilma, (2) prender Lula e excluí-lo da eleição de forma tão explicitamente injusta, e (3) implantar o seu programa máximo em apenas dois anos de Michel Temer no Palácio do Planalto, a própria direita causou o fortalecimento e a recuperação eleitoral do ex-presidente, do PT, da esquerda e, em paralelo a isso, provocou o deslocamento de parte do seu eleitorado tradicional – sentindo-se traído pelo apoio ao governo Temer – para a extrema-direita.
Rogério Tomaz
De Brasília